sábado, 28 de abril de 2018

Nosso adeus a Inácio de Chica, o Rei disfarçado de criança

Para quem não conheceu Inácio de Chica ou não teve contato com sua alma especial, nenhuma palavra será capaz de explicar satisfatoriamente seu valor e seu carisma

Tarcio Oliveira

Foto: Tarcio Oliveira 

Neste mundo conturbado que habitamos, nesses tempos carentes de valores e referências, saúdo a existência longa de Inácio de Chica (quase 93 anos de vida – seriam completos em outubro) como um presente e uma lição. O “professor” analfabeto e gentil do bem-viver faleceu na tarde de ontem, sexta-feira, 27 de abril, no hospital municipal, nos braços de sua dedicada cuidadora há mais de 20 anos, a incansável Ceci de Antônio Bolinha. 

Já cantou o poeta Gonzaguinha: “Eu fico com a pureza da resposta das crianças: é a Vida, é bonita e é bonita”. Inácio, nossa “criança anciã” atravessou sua jornada com um otimismo e um olhar de curiosidade e contentamento que se fazem cada vez mais raros, e necessários. Sem posses, sem diploma, sem status e sem pressa, superou monstros terríveis: a loucura, a pobreza, a fome, as secas, as doenças, a discriminação, a exploração, a rejeição, a humilhação... só perdia a paciência quando escutava o apelido que todos nós, crianças traquinas da Tuparetama de antigamente – de há mais de 30, 40, 50, 60 anos – gostávamos de gritar pra ele: Bode moxo! E sebo nas canelas que lá vinham pedras, paus ou o próprio Inácio, baixinho, ágil, “fumando numa telha” de bravo querendo acertar contas conosco. Eram outros tempos, de bulliyng cruel mas universal, apelidávamos e éramos apelidados também, todos nós, expostas nossas falhas físicas ou morais. Depois tudo se superava com boas risadas ou algum choro rápido ou lapadas de cinto, em casa. 

Para quem não conheceu Inácio de Chica ou não teve contato com sua alma especial, nenhuma palavra será capaz de explicar satisfatoriamente seu valor e seu carisma. Para quem, como eu, teve a felicidade de compartilhar da sua simpatia, sua atenção e sua vizinhança, qualquer explicação é desnecessária. 

Como eu dizia no início deste texto, no mundo contemporâneo em que corremos desesperadamente e aflitamente em busca de ter muito, possuir mais e consumir de modo desenfreado, esquecendo-nos de nossa essência, cabe um olhar atento ao legado de Inácio de Chica, que a seu modo e tão sabiamente atendeu à exortação de Jesus Cristo quando, criticando a preocupação excessiva da humanidade pelos bens materiais, alertou: “Por isso eu vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida, com o que havereis de comer ou beber; nem com o vosso corpo, com o que havereis de vestir. Afinal, a vida não vale mais do que o alimento, e o corpo, mais do que a roupa? Olhai os pássaros dos céus: eles não semeiam, não colhem nem ajuntam em armazéns. No entanto, vosso Pai que está nos céus os alimenta. Vós não valeis mais do que os pássaros? Quem de vós pode prolongar a duração da própria vida, só pelo fato de se preocupar com isso? E por que ficais preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Porém, eu vos digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles". (Mateus 6, 24-34). 

Não tenho nenhuma dúvida que Inácio foi recebido nos céus como um "Rei Salomão" de verdade, ou melhor dizendo, como um dos herdeiros reais citados pelo Mestre Jesus: "Deixai vir a mim as crianças, porque delas é o Reino dos Céus".


Nenhum comentário:

Postar um comentário