terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Relembrando a entrevista com ator tuparetamense Flávio Rocha

Flávio Rocha, que conta com um currículo de diversos trabalhos realizados no cinema, na TV (Globo) e sobretudo no teatro

Por Mais Tuparetama 

Foto: Divulgação

1. Você hoje é um ator consagrado na TV, no Cinema e no Teatro. Como e quando começou sua carreira? Você tem outra formação profissional? 

Minha carreira profissional de ator começou em 1998 no Teatro Oficina em São Paulo sobre a direção de José Celso Martinez Correa. Mas posso dizer que a minha carreira teve o seu início amador (no sentido mais belo e profundo da palavra) com um filme que fizemos aí em Tuparetama eu, Tárcio Oliveira e Helena Souto. Acho que foi em 1988/89, não tenho certeza absoluta da data. Só tenho certeza absoluta que foi ali que o meu destino começou a apresentar-se para mim. O filme chamava-se “Escarra Nesta Boca Que Te Beija”, um roteiro de Tárcio baseado em poemas de Augusto dos Anjos e Lima Barreto.  De certa maneira o filme profetizava a minha história porque era sobre um sujeito que partia da sua cidade em busca do seu destino... Sou também formado em jornalismo pela UFPE. Entrei em 1993 e saí em 1997. Foram quatro anos e meio de curso que fizeram a minha cabeça. Mas a paixão pela arte foi maior e resolvi fazer carreira nas artes dramáticas.

2. Quais foram as principais dificuldades que você enfrentou no início da carreira?

Morar numa cidade como São Paulo e viver de teatro, sendo que quando você é iniciante você pena muito porque ganha muito pouco na qualidade de aprendiz foi um grande desafio externo. Depois enfrentar os próprios desafios internos, acreditar em si, aceitar-se como você é - num mercado que te restringe se você não se enquadra perfeitamente nas exigências dele. Mas com o apoio da Companhia de Teatro Oficina UzynaUzona, que tem como prática acolher artistas nordestinos desde a sua fundação e onde as regras mercadológicas - que são pregadas por alguns modelos de negócio - não têm validade, ali eu pude começar a minha jornada.

3. Como é a sua relação com o nordeste do Brasil? Você enfrentou preconceito pelo fato de ser nordestino? 

A minha relação com o nordeste do Brasil é de filho, de irmão, de sangue, de alma, de amor. Tenho muita saudade do meu nordeste. Certamente, caso tivéssemos um mercado de trabalho que me acolhesse, eu viveria aí. Mas sonho com o dia em que a produção de teatro, cinema e televisão possa ser plantada e colhida no nordeste e eu possa desenvolver um trabalho aí. É claro que isso levará tempo e mudança de conjuntura. O Brasil começa a mudar o eixo dos monopólios de produção artística (e econômica de um modo geral) e acredito que um dia nós artistas poderemos viver e trabalhar na nossa terra. Agora, preconceito aqui pelas bandas do sudeste eu enfrentei várias vezes e ainda continuo a enfrentar. Mas isso vem de uma parte idiotizada da sociedade, de um pessoal ignorante e burro, de gente não apita nada e não sabe o que são os grandes ideais, os altos valores espirituais da humanidade, dos quais a arte é um dos representantes. Por isso, não dou atenção, não discuto...  Apesar dessa tendência reacionária que ataca a sociedade brasileira (e mundial) atualmente, acredito que o preconceito irá a se reduzir ao seu devido lugar no futuro.

4. Compensa viver da arte do Brasil?

Depende do que você entende como compensação. Acho que viver do que você ama e acredita compensa em qualquer lugar do mundo tendo o suficiente para viver dignamente, e no Brasil não é diferente. Agora, se você entender a compensação como capacidade de acumular riqueza, de consumir todos os itens do último modismo, de maximização de lucro - todas estas pseudofilosofias de vida que estão destruindo a humanidade e a natureza - aí não compensa. O mercado é pequeno. A concorrência é grande. As chances de ganhar muito dinheiro e ficar rico não são muitas. E é uma tarefa hercúlea sobreviver. Principalmente porque se a arte for vista estritamente como um negócio deixa de ser arte. Mas para mim está bom.  Pago as minhas contas, adquiro meus livros e levo adiante os meus sonhos e ideais. É o suficiente para ter esperanças no futuro...

5. Qual foi o papel mais importante que você fez até o momento? 

Avaliar a importância de um papel é difícil. Depende do ângulo. Você pode avaliar pela importância que o papel tem dentro da história, pela sua complexidade psicológica, pela sua identificação com ele, pelo êxito que ele obtém junto ao público, etc... De forma que é difícil dizer que este ou aquele papel foi mais importante. Todos são importantes. Pra mim, o papel mais importante é sempre o próximo que vou fazer.

6. O ator é um profissional liberal, mas, na sua atividade privada exerce uma função pública. Concorda com esta afirmação? Qual deve ser a postura do artista diante de fatos sociais e políticos? 

Concordo com a afirmação, sim. A postura do ator diante de fatos sociais e políticos depende da cabeça da pessoa, da formação do sujeito enquanto cidadão. Como outro cidadão qualquer que ocupa um lugar na sua realidade ele vai se posicionar de acordo com os seus valores e seus interesses. Em princípio, o verdadeiro artista deveria se colocar como defensor dos altos valores espirituais: a compaixão, a solidariedade, a justiça, o amor, a defesa dos pobres, a serenidade, a igualdade de oportunidades, a transmutação e a superação dos falsos valores... Enfim, tudo que é bom, belo e humano. Isso por causa desta posição de influência que a profissão lhe dá. O problema é que, em muitos casos, na prática, nada disso resiste, vai tudo por água abaixo; muitas vezes é só fachada, não resiste a três questionamentos; outras vezes, até é verdadeiro, mas o artista tem vínculos profissionais que o impedem de assumir-se publicamente. Do meu ponto de vista, a postura do ator diante de fatos sociais e políticos depende muito da sua consciência histórica, da sua coragem pessoal, dos seus interesses e das suas relações.

7. Quais são as suas principais influências artísticas? Alguém em particular exerceu um papel direto na sua construção como ator? 

As influências são muitas. É quase impossível citar todas. São muitos atores, diretores e pedagogos das artes dramáticas. Mas o meu primeiro mestre certamente teve um papel estruturante na minha formação, que foi o diretor José Celso Martinez Correa. E o saudoso ator Raul Cortez, com quem tive a honra de trabalhar na montagem de “Rei Lear”, de Shakespeare, continua sendo, pra mim, a maior referência de ator.

8. Como você desenvolve os seus personagens? O que te inspira?

Desenvolvo os meus personagens a partir da função dramática que ele exerce dentro da história, ou seja, das linhas de força que o autor coloca no personagem. E, claro, sempre acrescento um detalhe ou outro quando tem espaço. O principal é saber o que o personagem QUER, qual é o seu objetivo na história. O que me inspira é o teor humano da história e do personagem, a força potencial que costuma existir nos bons textos, as contradições humanas, a capacidade de revelar as várias facetas que um ser humano pode ter, para além do bem e do mal, e que é o que contribui para compreender e transformar a vida humana.

9. Quais são os projetos que você está engajado atualmente e qual é o seu maior sonho? 

Eu estou diversificando cada vez mais o meu trabalho no campo das artes dramáticas. Atualmente, como ator, tenho em vista dois projetos: um pra tv a cabo e outro pra cinema, mas só poderei revelar quando bater o martelo. Como eu disse, estou diversificando, estou escrevendo dois roteiros de ficção: um sobre escravidão contemporânea e outro sobre essa onda de reacionarismo ideológico e religioso que está vigorando no Brasil e no mundo. O meu maior sonho é envelhecer fazendo o meu trabalho tranquilamente (escrevendo, atuando, dirigindo). 

10. Quem é Flávio Rocha por Flávio Rocha? 

Um sertanejo sonhador que veio ao mundo para viver a vida livremente, poeticamente, fazendo arte, amando e sonhando com um mundo mais justo.

11. Que recado você deixaria para quem alimenta o sonho de ser ator/atriz?

Acho que quem quer ser ator ou atriz precisa saber que a luta é feroz, que estudar e treinar são suas armas, que coragem e determinação são seus companheiros, que apoio, orientação e humildade são fundamentais são fundamentais, e que sua meta deve ser a evolução do corpo e do espírito... o resto é consequência do seu caminho e da sua sorte.

Entrevista em 7 de agosto de 2015.

Flávio Rocha é ator, diretor e preparador de atores. Dirigiu 3 curtas metragens no Studio Fátima Toledo. Em Janeiro e Fevereiro de 2011 protagonizou o longa Tríade escrito e dirigido por Amilcar Claro. Atuou no longa metragem Besouro (2009), de João Daniel Tikomiroff, filme pelo qual foi indicado ao prêmio FIESP de melhor ator; fez a mini séries A Pedra do Reino (2007) e Suburbia (2012),  na rede globo, com direção de Luiz Fernando Carvalho. Trabalhou por 6 anos na Companhia de Teatro Oficina e participou de 8 montagens com o grupo. Trabalhou ainda na Cia. Livre de Teatro sob direção de Cibele Forjaz por 2 anos. Atuou por um ano na montagem de Rei Lear, de Shakespeare, realizada pela companhia de teatro de Raul Cortez. Trabalhou também na Companhia de Teatro Promíscuo com Renato Borghi e Elcio Nogueira. É formado em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco.

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