segunda-feira, 17 de julho de 2017

Lavagem de Dinheiro, Prática do Crime Organizado Contra toda Sociedade

A definição de crime organizado é um trabalho extremamente difícil, por existirem diversos tipos de organizações criminosas, com características variadas e “modus operandi” diversos

Artigo: Ozael Félix de Siqueira

Foto: Divulgação

Diante da dificuldade de se elaborar um conceito objetivo, na tentativa de eliminar essa lacuna de conceituação existente, inicialmente utilizou-se a definição da referida expressão da Convenção de Palermo.

Com a criação da Lei 12.850/2013 tornou-se possível identificar o conceito de organização criminosa, bem como os requisitos para sua caracterização.

No art. 1º, §1º, da Lei 12.850/2013, está disposto que:

Art. 1º. [...]

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013 . Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento crimina).

A “lavagem de dinheiro” é a técnica utilizada por estas organizações criminosas para decomporem os recursos oriundos de atividades criminosas em capital aparentemente legal. Essa prática envolve transações financeiras utilizadas para mascarar a origem do capital ilícito, admitindo que eles sejam empregados sem afetar o funcionamento dessas organizações. 

A expressão “Lavagem de Dinheiro” teve sua origem nos Estados Unidos (Money Laundering). Acredita-se que ela tenha sido criada para caracterizar o surgimento, por volta dos anos 20, de uma rede de lavanderias que tinham por objetivo facilitar a colocação em circulação do dinheiro oriundo de atividades ilícitas, conferindo-lhe a aparência de lícito (CASTELLAR, 2004).

Este delito traz devastadoras consequências, não só para a segurança, mas também para o desenvolvimento econômico e social. A abrangência cada vez mais internacional e os aspectos financeiros tornaram-se mais complexos, devido a globalização e os avanços tecnológicos da indústria de serviços financeiros. Prejudicando também moedas e taxas de juros. O dinheiro lavado flui para os sistemas financeiros globais, onde pode causar danos a econômicos catastróficos. Essa prática delituosa interpõe uma séria ameaça à segurança nacional e internacional, não sendo, portanto, apenas uma questão de criação e execução de leis .

A aplicação deste capital ilícito não visa necessariamente o lucro, mas essencialmente “o mascaramento” da origem criminosa desses valores. Com isso, a livre concorrência e a estabilidade do mercado econômico formal, como um todo, perde por estar prejudicada. Cria-se então, um verdadeiro mercado paralelo, com alta instabilidade das taxas de juros e de câmbio e grande variabilidade no mercado de capitais, impedindo um crescimento econômico sustentável das nações.

O Estado deixa de arrecadar uma gama enorme de tributos, pois as transações são de maneira inadequada ou informalmente, sem documentação (NEVES FILHO, 2011).

Percebendo que este tipo de crime é extremamente prejudicial a toda sociedade, pois a utilização do proveito do ilícito, o capital sujo, aumenta a criminalidade de uma forma geral, a Convenção de Viena realizada em 1988, iniciou um forte combate mundial à lavagem de dinheiro, com o intuito de colaborar para o entendimento de como tal ilícito se constituiu e se disseminou por todo o mundo, seus métodos e experiências realizadas em vários países, bem como seus resultados, partindo-se de uma preocupação geral das nações.              
      
Foi a partir desta tendência mundial em se criminalizar a lavagem de dinheiro que o Brasil editou a Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, voltada principalmente para a apreensão de bens e valores oriundos de crime, iniciando assim um maior controle no sistema de operações financeiras e de monitoramento da movimentação de capitais (SCHNEIDER, 2014). 

Desde a sua promulgação, a lei 9.613 de 03/03/1998 sofreu duas alterações: sendo a primeira, através da Lei 10.467, de 11/06/2002, e a segunda, através da Lei 10.701, de 09/07/2003. Até a sua publicação, a “lavagem de dinheiro” não podia ser eficazmente coibida pelas autoridades policiais e judiciárias brasileiras, dada a falta de regulamentação específica (MEDEIROS; CARDOZO, 1998). 

Conforme definição do Grande Mestre Damásio E. de Jesus (2002): “a lavagem de dinheiro é crime pressuposto, ou seja, implica a prática de outro delito. Note-se que há o evento antecedente, descrito nos incisos, de onde provém o "dinheiro sujo", e a posterior lavagem de capitais (crime conseqüente), definida no caput.”,  referindo-se ao art. 1º da Lei 9613/98, qual seja:


Ocultar ou dissimilar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo; 
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; 
IV – de extorsão mediante seqüestro; 
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; 
VI – contra o sistema financeiro nacional; 
VII – praticado por organização criminosa; 
VIII – praticado por particular contra a Administração Pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal).


É necessário entender que os valores “branqueados” devem ser provenientes de prática ilícita. Para se caracterizar a lavagem de dinheiro, deve haver um crime que antecede a este “branqueamento”, porém, a legislação nacional determinou o crime de lavagem de dinheiro como um crime autônomo, isto é, o processo e o julgamento não dependem do processo relativo ao crime anterior.

No que tange à dosimetria da pena, a resposta penal é bastante severa. As penas são de reclusão, e variam de três a dez anos com previsão de multa. 

Em tese, o sistema penal brasileiro oferece uma solução ao problema, introduzindo institutos novos como a delação premiada, prevista no art. 1º § 5º da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro, constando que a pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimento que conduzam à apuração das infrações penais, ou à localização dos bens, direitos ou valores objetos do crime, e limitando uma série de benefícios processuais e instrumentais, pois como constata Martins:


A maior dificuldade no combate à lavagem de dinheiro reside na questão do repatriamento do dinheiro lavado no exterior, principalmente quando o dinheiro espúrio é depositado em paraísos fiscais ou investidos em países que não firmaram um acordo bilateral de cooperação jurídica internacional penal. (Martins, 2011, p. 100).


Apesar de ainda haver resistências doutrinárias em relação à prática da delação premiada no nosso ordenamento jurídico, porque esse instituto é de difícil constatação de sua credibilidade, pois, segundo alguns estudiosos do Direito, não se pode confiar plenamente nas palavras do criminoso, e ainda, por ser vista por alguns como um comportamento amoral e uma ineficiência do Estado para se conseguir provas e punir o crime. 

Independente das críticas, a delação premiada é amparada pela a legislação penal brasileira e os tribunais a aplicam. Sendo benéfica, a aplicação deste instituto, na medida em que disponibiliza maiores elementos às autoridades para o fortalecimento da repressão do Estado à lavagem de dinheiro. 

Porém, é imprescindível que haja não só mecanismos eficazes de punição, mas também de prevenção. Como alerta Lima (2011, p. 52), “por mais necessário que seja a apuração de fatos ilícitos passados, com o consequente devido processo e condenação dos criminosos, ainda assim o resultado como um todo não será significativo”.

É fundamental, também, uma resposta eficiente das autoridades, “sem o que se corre risco de verdadeira desmoralização do Estado face ao poderio das Organizações Criminosas” (MENDRONI, 2006, p.16), pois “enquanto o legislador não age, com medo de errar, os delinquentes erram sem medo” (PINTO, 2007, p. 72).

Ademais, o combate à criminalidade organizada e a “lavagem” do capital obtido por meio ilícito, deve partir de diretrizes mistas, com maior participação do Estado, através de políticas que evitem ao máximo a corrupção de agentes públicos e o engajamento de todos os integrantes da sociedade, desde os setores econômicos obrigados até as autoridades destinatárias.

Conforme observado, o dito “branqueamento de capitais” ou lavagem de dinheiro, ao contrário do que normalmente se supõe, está muito mais próximo da população; ela imiscui-se por toda a sociedade, intensificando a idéia que  para combater  as organizações criminosas  deve se iniciar  no aspecto econômico-financeiro de suas atividades.

Por fim, percebe-se que há questões jurídicas difíceis de serem solucionadas, em especial envolvendo aspectos constitucionais.  Além disso, a carência de pessoal especializado e equipamento de ponta para auxiliar/otimizar as investigações dificulta o  levantamento de provas.

Embora haja ainda inúmeras deficiências, há que se reconhecer que houve avanços e que isso é muito importante. O que não se pode permitir é que na falta de condições ideais de atuação, o Estado aja com pouco rigor, ou deixe de agir, para que suas ações não sejam frustradas.

Íntegra: Lavagem de Dinheiro, Prática do Crime Organizado Contra toda Sociedade (Clique aqui)

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