sábado, 3 de dezembro de 2016

Brasil em crise. E mais uma vez, os mais pobres vão 'pagar o pato'

O jornal britânico The Guardian fala da crise política no Brasil e critica duramente a aprovação da Emenda Constitucional 55 no Senado Federal

Brasil em crise. E mais uma vez, os mais pobres vão 'pagar o pato'  (Foto: Lula Marques / Agência PT)

Os pobres do Brasil já vem a muito tempo sofrendo de pouquíssimo bem estar social no que diz respeito a direitos humanos, como Saúde, Educação e Previdência; mas essa realidade pode mudar radicalmente muito em breve. O presidente não-eleito do Brasil, Michel Temer, busca colocar uma emenda à constituição cidadã para impor medidas de austeridade sem precedentes para as próximas duas décadas, efetivamente tirando direitos do brasileiro comum, e especialmente os cidadãos mais vulneráveis.

Temer, anteriormente aliado de Dilma Rousseff e vice-presidente, chegou ao poder em Agosto quando Rousseff foi afastada da presidência num impeachment altamente controverso que muitos têm chamado de golpe parlamentar. O país do qual ele tomou as rédeas está encarando uma séria crise econômica parecida com a confrontada por muitos vizinhos do Brasil; sua resposta para uma economia estagnada é congelar o orçamento federal por décadas através de uma emenda constitucional.

Gastos públicos em educação e saúde vão se manter congelados por anos enquanto a população cresce e envelhece.

Enquanto alguns países, como Alemanha e Inglaterra, se valeram no passado de regulamentação de gastos como mecanismo para reduzir o déficit fiscal, nenhum deles o fez através de emenda constitucional ou por tempo de duração tão extenso. Em todos os outros casos, regras fiscais foram regulamentadas em lei ou em acordos de coalizão, dando flexibilidade suficiente para mudanças futuras que serão praticamente impossíveis no caso do Brasil; aqui, custará uma modificação drástica no perfil da constituição para a emenda ser revogada.

A PEC 55 não só significa que gastos públicos com educação, saúde e assistência social vão se manter congelados por anos enquanto a população cresce e envelhece, mas também significa que vários grupos com interesses distintos vão se debater sobre o parco dinheiro que restar. Bem previsivelmente, durante esses embates de queda-de-braço, os atores mais poderosos, como os militares e o judiciário, vão conseguir assegurar seus recursos ao custo das universidades públicas e do sistema de saúde.

No mais, essa emenda é fundamentalmente antidemocrática. Temer, que é movido a escândalos, não foi eleito presidente, e a agenda de austeridade econômica que ele procura implementar nunca recebeu um mandato através do povo. Da maneira que está elaborada, a PEC 55 é um ataque aberto ao direito de voto dos pobres: independente de quem eles elegerem nas próximas duas décadas, terão que sobreviver a uma política inalterável de austeridade. É um caso de deja vu: o novo regime está fazendo o pobre pagar, de novo, por uma conta da qual não participaram da criação e nem serão beneficiadas por ela. É uma questão emblemática num dos países com maior desigualdade no mundo, onde 25% da renda total do país vai para o topo de 1% da população.

Ainda, mesmo economistas do FMI concordam que políticas de austeridade trazem mais prejuízos que benefícios. De acordo com a comissão econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe, a redução de demanda externa para com produtos de matéria prima associada com uma desaceleração das economias locais, que consequentemente terão investimentos e consumo reduzidos, são os fatores principais que causam a crise na América do Sul. O time econômico de Temer justifica a nova proposta de regime fiscal dizendo que o crescimento de gastos públicos primários está no coração da atual crise econômica do país. Esse é um argumento falso. A verdadeira raiz dos nossos problemas fiscais está num sistema de impostos altamente desigual, sistema que não taxa os ricos proporcionalmente e confere isenções ao setor empresarial, particularmente dividendos a acionistas.

Enquanto o processo de emenda vai a diante, a agenda política autoritária por trás do retrocesso nos gastos públicos é ainda mais aparente. A PEC 55 já passou na câmara dos deputados com pouca ou nenhuma oposição e foi aprovada na terça-feira, em primeiro turno, pelo Senado. Pelo menos 50.000 pessoas protestavam-entre estudantes, professores, indígenas, cidadãos sem-terra e sem-teto, aposentados e líderes sindicais, de todo o país- e se aglomeravam na esplanada dos ministérios em Brasília numa tentativa de barrar a votação. Foram surpreendidos com gás lacrimogêneo, spray de pimenta, bombas de efeito moral e balas de borracha, deixando pelo menos 40 pessoas feridas e muitas mais detidas. Enquanto o processo legislativo vinha acontecendo dentro do expediente e sem muita deliberação substancial, o cenário de guerra do lado de fora do parlamento na noite passada, forneceu uma amostra do tremendo impacto que essa contra-reforma no Brasil já enfraqueceu a democracia.

Com esse passo, Temer está cumprindo a promessa que fez depois que substituiu Rousseff, a saber, implementar cortes severos em programas sociais e impulsionar um plano extensivo de privatizações. Se não houve nenhum golpe contra Rousseff, como alguns ainda insistem, agora está difícil de negar o golpe em curso contra os pobres, e, de fato, contra a própria democracia. Informações: Mídia Ninja (Publicação original no The Guardian)


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